sábado, 9 de julho de 2011

Sobre o teleférico do Complexo do Alemão

    São 150 gôndolas que param em seis estações, interligando as comunidades do Complexo do Alemão com a estação de trens de Bonsucesso. Ou seja, ligam o morro ao asfalto. O objetivo declarado dessa “maravilha” é facilitar o ir e vir dos moradores das comunidades, evitando a demora em seu percurso do asfalto até suas casas no alto do morro ou em um ponto de difícil acesso a ônibus e carros.
   Esta semana foi reinaugurado esse teleférico, com a ilustre presença da Presidenta Dilma e seus correligionários.  O novo meio de transporte passou então a funcionar atendendo a população local gratuitamente e posteriormente custará um real.
   O que chama atenção e pede uma análise crítica é o fato de o teleférico estar sendo divulgado, subliminarmente, como a grande sacada contra a pobreza (assim como foi feito com a entrada das polícias e forças armadas nas mesmas comunidades, no final do ano passado). O teleférico seria a grande ação político-social deste governo para resolver as mazelas que acometem os moradores das favelas há muitos e muitos anos.
    A partir da entrada das forças do estado e do teleférico os problemas e ações foram redimensionados. As ações do estado se tornaram positivamente grandiosas, enquanto que os problemas de sempre dos moradores das favelas começaram a perder a importância.
   Se há polícia, exército e teleférico no local (em breve haverá TV à cabo e internet banda-larga legalizadas, banco para empréstimos a juros, e sei lá mais o quê), não importa se os barracos tortos de madeira ou alvenaria de baixa qualidade, insistem em se proliferar verticalmente (pois não há mais espaço no solo das encostas); se os becos, vielas labirínticas, emaranhados de fios em postes improvisados, canos aparentes e rachados e vazamentos de esgoto continuam lá, pertinho do percurso das gôndolas; se seus moradores continuam desempregados, subempregados e estigmatizados.
   Lá do alto, de dentro das gôndolas, é tudo uma beleza, “ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente dissabor" (cito Cartola, mas bem sei que estes versos nada têm de alienados). Sendo assim, podem ir também, turistas! Observando do alto, mas bem do alto, talvez vocês nem percebam a pobreza, talvez só percebam sorrisos, o colorido das roupas nos pequenos varais, o entrosamento social de vizinhos cujas casas são quase umas dentro das outras, a criatividade das crianças em suas brincadeiras de rua (beco), enquanto alguns adultos tomam uma cerveja ou um quente numa birosca que em breve, diz o estado, vai ter que ser uma micro-empresa.
   Turistas sairão dessa “viagem antropológica” com a percepção de que aquelas pessoas conscientemente escolheram viver assim; que aquilo sim é felicidade (para os favelados, obviamente). É um panorama da pobreza que não se revolta, que se acomoda e reacomoda para o teleférico passar. Morar em encostas não é problema; ser pobre ou miserável não é problema; o problema era ter que subir e descer o morro para chegar cedo ao trabalho, na fila do posto médico, na escola, na fila da vaga para um trabalho qualquer... Sendo assim, não há mais problemas.
   Nas propagandas dos feitos do governo, pessoas são escolhidas a dedo para afirmar que, enfim, com a polícia e com o teleférico, chegou a dignidade; agora sim têm paz e felicidade, afinal, rapidinho poderão ir à estação de Bonsucesso ou à outra comunidade do Complexo. O que mais podem querer da vida?
   Então, a finalidade político-ideológica da ação do estado se cumpre: manter o favelado dentro da favela, satisfeito – e com o título eleitoral a postos – com os que levaram o que chamam de paz e progresso para dentro das comunidades; e a elite com seu direito natural à propriedade, podendo, de vez em quando, fazer seu turismo alternativo para observar os nativos em seu habitat natural.
Andrea Ramos.

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Quem sou eu

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Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Professora de filosofia e sociologia, graduada e licenciada pela UFRJ; fiz especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea na UERJ e sigo estudando tudo o que me interessa e, infelizmente, trabalhando (trabalho-tortura)mais do que gostaria.