terça-feira, 5 de julho de 2011

David Hume e a causalidade
(Segundo a Investigação sobre o Entendimento)
Não temos necessidade de temer que esta filosofia, na medida em que tenta limitar nossas pesquisas à vida corrente, nunca destrua os raciocínios de vida corrente e leve suas dúvidas tão longe a ponto de destruir toda ação como toda especulação. A natureza sempre manterá seus direitos e, no fim, prevalecerá sobre os raciocínios abstratos. Mesmo que concluamos, por exemplo, que em todos os raciocínios tirados da experiência o espírito dá um passo que não é sustentado por nenhum progresso do entendimento, não há nenhum perigo que esses raciocínios, dos quais depende quase todo conhecimento, sejam afetados por tal descoberta. Se o espírito não está obrigado a dar esse passo por meio de um argumento, ele deve ser conduzido por outro princípio igual em peso e em autoridade; tal princípio conservará sua influência por tanto tempo que a natureza humana permanecerá a mesma. A natureza desse princípio bem merece que nos entreguemos ao esforço de investigar sobre ela.
Suponha-se que um homem, dotado das mais poderosas faculdades de razão e de reflexão, seja subitamente transportado por este mundo; certamente ele observaria de imediato uma contínua sucessão de objetos, um acontecimento seguir-se a outro; mas seria incapaz de descobrir outra coisa. De saída, ele seria incapaz, por meio de algum raciocínio, de atingir a idéia de causa e efeito, pois os poderes particulares que concretizam todas as operações naturais nunca se apresentam aos sentidos; e não é razoável concluir, unicamente porque um acontecimento precede outro em um único caso, que um seja a causa e o outro o efeito. Sua formação pode ser arbitrária e acidental. Não existe razão para se inferir a existência de um pela aparição do outro. Numa palavra, aquele homem, sem mais experiência, nunca faria conjecturas ou raciocínios sobre qualquer questão de fato; só estaria certo do que está imediatamente presente em sua memória e em seus sentidos.
Suponha-se ainda que este homem tenha adquirido mais experiência e que tenha vivido por muito tempo no mundo para que tenha observado a conjugação constante de objetos e de acontecimentos familiares; que resulta dessa experiência? Ele imediatamente infere a existência de um dos objetos pela aparição do outro. Todavia, ele não adquiriu, com toda sua experiência, nenhuma idéia, nenhum conhecimento do poder oculto pelo qual um dos objetos produz o outro; e não é por nenhum progresso de raciocínio que ele é obrigado a chegar a esta conclusão. Mas ele sempre se acha determinado a tirá-la; e, mesmo que o convencêssemos que seu entendimento de modo algum participa na operação, ele continuaria a ter o mesmo pensamento. Existe um outro princípio que o determina a estabelecer tal conclusão.
Esse princípio é o costume, o hábito. Pois, todas as vezes que a repetição de uma operação ou de um ato particular produz uma tendência no sentido de renovar o mesmo ato ou a mesma operação sem o impulso de qualquer raciocínio ou progresso do entendimento, dizemos sempre que essa tendência é o efeito do costume. Ao empregar esta palavra não pretendemos ter dado razão última de tal tendência. Apenas designamos um princípio de natureza humana, universalmente reconhecido e bem conhecido por seus efeitos.

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Quem sou eu

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Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Professora de filosofia e sociologia, graduada e licenciada pela UFRJ; fiz especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea na UERJ e sigo estudando tudo o que me interessa e, infelizmente, trabalhando (trabalho-tortura)mais do que gostaria.