Ética
Liberdade e
determinismo
Na mitologia, grega várias narrativas expressam a crença em
um destino inexorável que, por mais que se fuja dele, não é possível escapar
dos eventos já reservados para a vida de cada um. Algumas vezes, como ocorreu
com Édipo Rei, isso se mostra de mostra de forma bastante cruel: Édipo faz de
tudo para não cumprir o destino vaticinado pelo oráculo de matar o próprio pai
e de se casar e ter filhos com a própria mãe, mas parece que todos os seus atos
o levam justamente ao encontro do que não podia deixar de acontecer. O destino
se cumpre justamente quando Édipo pensa ter conseguido escapar dele. Ao
perceber seu fracasso, Édipo, completamente frustrado e desgraçado, fura os
próprios olhos para não mais vislumbrar o que a vida odienta lhe reservara. Aí
todos percebem que não controla a própria vida, que não há liberdade absoluta.
Outras figuras gregas ligadas à fatalidade da vida são as três
Moiras (“destino”): Cloto, a fiandeira, tece os fios dos destinos humanos;
Láquesis, a sorte, coloca o fio no fuso e Átropos, a inflexível, corta o fio da
vida de cada mortal.
Analisando a história de Édipo e das Moiras, percebemos que
não há como pensar em sujeito moral, responsável pelos seus atos já que tudo em
sua vida ocorre à revelia de sua vontade. As ações humanas nas mãos do destino
ou da fatalidade não são autônomas. Então o indivíduo não deveria responder
pelos seus atos pois está limitado à heteronomia (normas dadas por outros).
Ao contrário do sujeito autônomo, o ser determinado é levado
a agir de alguma maneira por coação, por obrigação, por desejos, por impulsos,
por necessidade, sem poder interferir, sem poder escolher. Esse ser é causado
por fatores alheios a sua vontade, ou melhor, ele não tem vontade própria.
Determinismo
científico
Tudo na natureza tem uma causa, todos os fenômenos naturais
são percebidos pelo ser humano como sendo regidos por leis causais (causa e
efeito). Assim, na natureza não há liberdade, há necessidade.
Necessidade se opõe a contingência, que significa “o que
pode ser de um jeito ou de outro”. O conhecimento científico não pode ser
construído sobre fatos isolados, contingentes, que não seguissem ordenação
alguma. Seria impossível fazer previsões e mesmo definições. Não haveria
certezas ou verdades definitivas. Se é que elas existem (a história das
ciências está repleta de exemplos que mostram o caráter relativo e histórico da
verdade).
As ações humanas e
o determinismo
Estender a lei da causa e efeito ás ações humanas significa
afirmar que tudo o que se faz é determinado por algo estranho à vontade do ser
humano, ou que o conteúdo da vontade e razão não estão juntas, sendo o conteúdo
da vontade intangível ao controle da razão.
Seria o caso do determinismo dos desejos inconscientes, da
genética, dos fatores sócias, fatores climáticos, etc. A literatura do século
XIX e as hipóteses psicológicas, psiquiátricas e políticas dão exemplos da
crença nesses determinismos, que culminam no preconceito, no etnocentrismo, na
criação de estereótipos e estigmas que segregam e inferiorizam indivíduos e
grupos.
São exemplos o machismo, o racismo, o preconceito de gênero,
de origem, o preconceito social, o estabelecimento do que é normal e do que é
patológico, a criminalização da pobreza, enfim a percepção social negativa de
indivíduos de acordo com teorias pseudocientíficas ultrapassadas.
Alguns ditados e ideias populares ilustram bem esses
determinismos:
“Filho de peixe, peixinho é”; “Quem sai aos seus não
degenera”; “Pau que nasce torto, morre torto”; “Mulher no volante, perigo constante”;
“Homem não chora”; “Quem vive com porcos, farelo come”,...
Os valores sociais e culturais são condicionantes sim, os
herdamos ao nascermos e sermos criados dentro de uma determinada sociedade e
grupo já organizados. Contudo, saber que podemos saber, perceber que nossas
ações sofrem influências diversas, que somos seres sociais e não indivíduos
isolados na natureza, que os valores que cultivamos são criações humanas e não
naturais, torna possível a ruptura com esses mesmos valores e a escolha de outros
rumos. É a própria consciência dos diversos pretensos determinismos que pode
conduzir o ser humano à liberdade de ação e à responsabilidade, pois fica claro
que não há como não ser um ser social.