sábado, 3 de setembro de 2011

Texto sobre as ciências

O texto abaixo retoma a tradicional acusação de que as ciências com suas pretensas objetividade e neutralidade contribuem para a destruição da humanidade. Ressalta que muito mais do que as ciências, as religiões e ideologias políticas, com seus fanatismos, são responsáveis pelos maiores genocídios.

  A Lógica da vida (prefácio do livro)

    “Uma época ou uma cultura caracteriza-se mais pela natureza das questões que coloca do que pela extensão de seus conhecimentos (...).
     Ao contrário do que frequentemente se pensa, tanto o espírito quanto o produto são importantes na ciência. Tanto a aceitação da mudança, o primado da crítica, a submissão ao imprevisto, por mais embaraçoso que seja, quanto o resultado, por mais novo que seja. Há muito tempo os cientistas renunciaram à idéia de uma verdade última, intangível, imagem exata de uma “realidade” que estaria a postos apenas esperando o momento de ser revelada. Já sabem que devem se contentar com o parcial, com o provisório. Tal procedimento frequentemente vai de encontro à tendência natural do espírito humano, que busca unidade e coerência em sua representação do mundo sob seus mais diversos aspectos. De fato , este conflito entre o universal e o local, entre o eterno e o provisório reaparece periodicamente em certas polêmicas. Por exemplo, a que coloca os partidários da criação contra os da evolução (...). Os primeiros sempre encontram, no mais ínfimo detalhe da natureza, o sinal que prova infalivelmente a conclusão a que eles não imaginam ser possível deixar de subscrever. Os outros procuram incansavelmente nesta mesma natureza traços de acontecimentos, que frequentemente não foram deixados, com o objetivo de reconstruir aquilo que eles querem que seja não um mito, mas uma história, uma teoria que evolui. Este diálogo de surdos oporá eternamente os que recusam uma visão universal e imposta do mundo e os que não podem viver sem ela.
      Há alguns anos os cientistas vêm sendo objeto de censuras. São acusados de não possuírem coração nem consciência, de não se interessarem pelo resto da humanidade; e mesmo de serem indivíduos perigosos que não hesitam em descobrir e utilizar meios de destruição e coerção terríveis. Exagera-se sua importância. A proporção de pessoas imbecis e sem caráter é uma constante presente em todas as amostras de uma população, sejam compostas por cientistas ou por agentes de seguro, escritores ou por camponeses, por padres ou por políticos. E, apesar do Dr. Frankenstein e do DR. Strangelove, as catástrofes da história têm sido fruto muito mais da atuação de padres e de políticos que de cientistas.
     Pois não é somente o lucro que faz com que os homens se matem. É também o dogmatismo. Nada é mais perigoso que a certeza de ter razão. Nada causa tanta destruição quanto a obsessão de uma verdade considerada absoluta. Todos os crimes da história são consequência de algum fanatismo. Todos os massacres foram realizados por virtude, em nome da religião verdadeira, do nacionalismo legítimo, da política idônea, da ideologia correta; em suma, em nome do combate a Satã. A frieza, a objetividade frequentemente apontadas como características condenáveis dos cientistas talvez sejam mais convenientes que a febre e a subjetividade para tratar de certos assuntos humanos. Pois não são as idéias da ciência que engendram as paixões. São as paixões que utilizam a ciência para sustentar sua causa. A ciência não leva ao racismo e ao ódio. É o ódio que lança mão da ciência para justificar seu racismo. Pode-se censurar o entusiasmo ocasional de alguns cientistas na defesa de suas idéias. Mas nenhum genocídio foi perpetrado para fazer uma teoria científica triunfar (...) é preciso que fique claro para cada pessoa que nenhum sistema explicará o mundo em todos os seus aspectos e detalhes. Ter ajudado na destruição da idéia de uma verdade intangível e eterna talvez seja uma das mais valiosas contribuições da metodologia científica.”
(JACOB, François. A lógica da vida)


Quem sou eu

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Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Professora de filosofia e sociologia, graduada e licenciada pela UFRJ; fiz especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea na UERJ e sigo estudando tudo o que me interessa e, infelizmente, trabalhando (trabalho-tortura)mais do que gostaria.